Grande parte da imprensa não tratou a questão que vem sendo travada em nossos tribunais, especialmente no STF (Supremo Tribunal Federal), acerca da liberdade de expressão com a profundidade que o tema deve ser tratado. O ponto fulcral não é tão somente a liberação das marchas pela descriminalização das drogas. O fato não pode ser debatido somente pelo prisma das defesas apaixonadas a favor ou contra a liberação do uso da maconha ou da descriminalização das drogas, mas sim, da garantia constitucional da liberdade de expressão. “É livre a manifestação do pensamento” (art. 5º, inciso IV da Constituição Federal). Esse foi justamente o debate travado nos tribunais, que chegou a apreciação do órgão máximo do Poder Judiciário brasileiro, o Supremo Tribunal Federal: a proibição das denominadas “Marchas da Maconha” afrontaria o direito da liberdade de expressão, previsto constitucionalmente?
Alguns profissionais forenses entendem que esse tipo de manifestação estimula práticas delitivas, induzindo o uso de substância entorpecente. Afirmam que não se trata de ingênua manifestação pública, que visaria o debate de ideias, mas de ilícito incitamento ao uso de drogas. Ainda, asseguram que a Carta Magna, ao afiançar a liberdade de expressão não instituiu esse direito como irrestrito, implantando limites e responsabilidades, fundamentados em valores igualmente protegidos pela sociedade e também desenhados pela Constituição Federal. Ponderam que as decisões judiciais pela cessação de “Marchas da Maconha” pretendem impedir um mal maior à coletividade.
Outros, contudo, contra argumentam com base na proteção constitucional da liberdade de expressão: o ordenamento jurídico do nosso Estado Democrático de Direito proíbe ressalvas a pensamentos, ideias e opiniões.
Surge, pois, a colisão entre o exercício da liberdade de expressão e demais direitos fundamentais.
É certo que estamos todos preocupados com a questão das drogas e consequências sociais daí advindas, notadamente a violência, mas é fundamental que o Poder Público e a sociedade saibam ponderar sensatamente sua posição, observando o amparo dos direitos e garantias individuais, notadamente da liberdade de expressão. A reprimenda prévia a este assunto, impedindo sua discussão pode ser o precedente do retorno de um velho fantasma: a censura.
Pessoalmente, nos posicionamos, antes de tudo, a favor da liberdade de expressão, como direito constitucional irrefutável e a favor do debate de ideias. Posicionamo-nos, também, contra a legalização do uso das chamadas drogas “ilícitas” e do uso indiscriminado e descontrolado das drogas lícitas.
Portanto, trata-se de questão que vai além da discussão apaixonada sobre a liberação do uso de drogas ilícitas, mas sim sobre o direito constitucional. O Poder Judiciário e a sociedade deverão encarar e arrostar este dilema, lembrando sempre que o sistema jurídico brasileiro está baseado no princípio da responsabilidade (princípio fundamentador de uma nova ordem ética - Le Principe Responsabilité, de Hans Jonas). Noutro dizer, se a liberdade de expressão, se o debate de ideias for além do que se pressupõe e espera, tal ato deverá ser avaliado nos termos da legislação penal vigente, apenando-se os responsáveis, fato este que, por si só, tiraria a legitimidade popular que a sustenta.
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