Márcio Cozatti - Advocacia

segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Para garantir dívida, Justiça determina apreensão de passaporte

Imagem relacionadaMedida busca evitar que devedora deixe o País. 

A 5ª Vara Cível da Comarca de Santos determinou a apreensão do passaporte de uma mulher que, respondendo a processo por dívidas relacionadas a mensalidades escolares, pretendia se mudar para a Irlanda. O juiz José Wilson Gonçalves consignou ainda a possibilidade de substituição da medida por depósito/garantia em dinheiro no valor da cobrança, atualizado e com juros de mora, e acrescido de 30% (estimativa de custas, despesas processuais e honorários advocatícios) – o total do débito ultrapassa R$ 5 mil.


O estabelecimento de ensino, autor do processo, alega que por meio de correspondências eletrônicas a ré demonstrou que pretende mudar de país. De acordo com o magistrado, o fato “gera grave ameaça à utilidade do processo, pois ao final, na provável hipótese de condenação, a sentença se tornará inexequível na prática, pela óbvia razão de a então vencida estar morando em outro país e não ter deixado bens suficientes no Brasil, para que respondam, enfim, pela dívida.”

De tal maneira que, continuou José Wilson Gonçalves, “tornará o serviço judicial inútil ou dificultará sobremaneira a consecução da utilidade, devendo o juiz agir de modo a garantir, sempre que possível, e por medida adequada, a utilidade, pois, do serviço judicial”.

Assim, o juiz determinou que a Polícia Federal seja comunicada de que ela não deve deixar o Brasil, bem como a expedição de mandado de busca e apreensão do passaporte.

Fonte: Tribunal de Justiça de São Paulo


(http://www.aasp.org.br/aasp/noticias/visualizar_noticia.asp?id=51215&tipo=D)

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Recesso forense - Fim do ano de 2016 e exercício de 2017

Ainda que o Código de Processo Civil de 2015 tenha estabelecido o período de recesso forense (regimentos internos) e suspensão do curso dos prazos processuais nos dias compreendidos entre 20 de dezembro e 20 de janeiro (art. 220 do CPC), inclusive, em todos os tribunais do território nacional, alguns órgãos continuam a expedir atos normativos para regulamentar a descontinuidade dos prazos na ocasião..

Tribunal de Justiça de São Paulo

de 20 de dezembro de 2016 a 6 de janeiro de 2017 (Recesso) - Provimento nº 1.948, de 12 de janeiro de 2012

de 7 a 20 de janeiro de 2017 (Suspensão de prazos) - Comunicado 2.283 de 1º de dezembro de 2016

Tribunal Regional Federal da 3ª Região

de 20 de dezembro de 2016 a 6 de janeiro de 2017 (Recesso)

de 20 de dezembro de 2016 a 20 de janeiro de 2017 (Suspensão de prazos)

Site do TRF-3ª Região

Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região

de 20 a 31 de dezembro de 2016 (Recesso) - Portaria GP nº 80, de 18 de novembro de 2015

de 1º a 6 de janeiro de 2017 (Recesso) - Portaria GP nº 56, de 10 de novembro de 2016

de 7 a 20 de janeiro de 2017 (Suspensão de prazos) - Site TRT-2ª Região

Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região

de 20 a 31 de dezembro de 2016 (Recesso) - Portaria GP-CR nº 101, de 21 de dezembro de 2015

de 1º a 6 de janeiro de 2017 (Recesso) - Site TRT-15ª Região - Calendário

de 7 a 20 de janeiro de 2017 (Suspensão de prazos) - Portaria GP-CR nº14, de 25 de outubro de 2016

Supremo Tribunal Federal

de 20 de dezembro de 2016 a 6 de janeiro de 2017 (Recesso)
de 20 de dezembro de 2016 a 31 de janeiro de 2017 (Suspensão dos prazos)

Portaria nº 264, de 2 de dezembro de 2016

Superior Tribunal de Justiça

de 20 de dezembro de 2016 a 6 de janeiro de 2017 (Recesso) - Artigo 62, I, da Lei n° 5.010, de 30 de maio de 1966
de 20 de dezembro de 2016 a 31 de janeiro de 2017 (Suspensão dos prazos) - Portaria STJ/GDG nº 1032, de 9 de dezembro de 2016

Tribunal Superior do Trabalho

de 20 de dezembro de 2016 a 6 de janeiro de 2017 (Recesso) 

de 20 de dezembro de 2016 a 31 de janeiro de 2017 (Suspensão dos prazos) 

Informações no site do TST 


terça-feira, 13 de dezembro de 2016

STJ - Prazo de prescrição para cobrança de taxa condominial é de cinco anos

Resultado de imagem para cobrança condominioEm julgamento de recurso sob o rito dos repetitivos, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o prazo prescricional a ser aplicado para a cobrança de taxas condominiais é de cinco anos, nos casos regidos pelo Código Civil de 2002.

Por unanimidade, os ministros aprovaram a tese proposta pelo relator do caso, ministro Luis Felipe Salomão: “Na vigência do Código Civil de 2002, é quinquenal o prazo prescricional para que o condomínio geral ou edilício (horizontal ou vertical) exercite a pretensão de cobrança de taxa condominial ordinária ou extraordinária constante em instrumento público ou particular, a contar do dia seguinte ao vencimento da prestação.”

Para os ministros, o débito decorrente do não pagamento das prestações de condomínio se caracteriza como dívida líquida, atraindo a regra disposta no artigo 206, parágrafo 5º, I, do Código Civil.

Dívida líquida

O ministro relator justificou que, ao contrário do que sustentaram algumas entidades que se manifestaram no processo, exige-se apenas a comprovação de que a dívida seja líquida, e não a comprovação de que a dívida foi contraída em instrumento particular ou público ou que decorre da lei, entendimento que possibilitaria a aplicação do prazo prescricional decenal previsto no artigo 205 do Código Civil.

Salomão lembrou que a taxa condominial é previamente deliberada em assembleia geral, algo constante e definido, ou seja, não restam dúvidas de que se trata de uma dívida líquida, facilmente comprovada.

O colegiado corroborou opinião do Ministério Público Federal, de que no caso analisado a interpretação da lei não poderia estabelecer outro prazo prescricional, já que não há dúvida sobre a natureza líquida da dívida condominial.

Precedentes

O relator destacou ainda o voto da ministra Nancy Andrighi no Recurso Especial 1.139.030, julgado em 2011, em que se aplicou o prazo prescricional de cinco anos. Salomão mencionou também decisões de todos os ministros da Segunda Seção pela aplicação da prescrição quinquenal.

Com a decisão do STJ, todos os tribunais do país devem observar a regra estabelecida, evitando decisões conflitantes nos casos de cobrança de taxa condominial.

No caso julgado, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF) havia considerado o prazo prescricional de dez anos, por entender que seria aplicável a regra geral do artigo 205 do Código Civil. O recurso foi acolhido pelos ministros para reduzir o prazo prescricional para cinco anos.

O processo foi afetado à Segunda Seção em março de 2016 e está catalogado no sistema de repetitivos do STJ como Tema 949.

Leia o voto do relator.

Processo: REsp 1483930

Fonte: Superior Tribunal de Justiça
(http://www.aasp.org.br/aasp/noticias/visualizar_noticia.asp?id=51168&tipo=D)

quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Interromper gestação até 3º mês não é crime, decide 1ª Turma do STF em HC

A proibição ao aborto é clara no Código Penal brasileiro, mas deve ser relativizada pelo contexto social e pelas nuances de cada caso. Por exemplo, a interrupção da gravidez é algo feito por muitas mulheres, mas apenas as mais pobres sofrem os efeitos dessa prática, pois se submetem a procedimentos duvidosos em locais sem a infraestrutura necessária, o que resulta em amputações e mortes.
Sobre as prisões — que foram anuladas de ofício porque o HC foi visto como substitutivo do recurso ordinário constitucional —, Barroso destacou não haver razão para mantê-los detidos, pois todos têm endereço fixo, são réus primários e não apresentam riscos à ordem pública ou à instrução criminal. O ministro também ressaltou que os acusados têm comparecido aos atos de instrução e cumprirão pena em regime aberto se forem condenados.Essa é a síntese do voto-vista proferido pelo ministro Luis Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, nesta terça-feira (29/11), no julgamento do Habeas Corpus 124.306. Com o voto de Barroso, a 1ª Turma da corte, por maioria, entendeu que a interrupção da gravidez até o terceiro mês de gestação não pode ser equiparada ao aborto. No caso, duas pessoas foram presas acusadas de atuar em uma clínica de aborto. A decisão não é vinculante.
Os réus foram presos preventivamente em 2013, mas soltos pelo juízo da 4ª Vara Criminal da Comarca de Duque de Caxias (RJ). Um ano depois, foram detidos novamente após recurso do Ministério Público estadual à 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do RJ. A reforma na decisão motivou questionamento ao Superior Tribunal de Justiça, que não conheceu do pedido de liberdade dos acusados.
Criminalização desproporcional
Já sobre o aborto, Barroso disse que a criminalização de atos como o julgado ferem diversos direitos fundamentais, entre eles, os sexuais e reprodutivos da mulher. “Que não pode ser obrigada pelo Estado a manter uma gestação indesejada.”
O ministro também ressaltou a autonomia da mulher, o direito de escolha de cada um e a paridade entre os sexos. Mencionou ainda a questão da integridade física e psíquica da gestante. “Que é quem sofre, no seu corpo e no seu psiquismo, os efeitos da gravidez.”
Especificamente sobre a condição social da mulher que decide abortar, Barroso criticou o impacto da criminalização do ato sobre as classes mais pobres. “É que o tratamento como crime, dado pela lei penal brasileira, impede que estas mulheres, que não têm acesso a médicos e clínicas privadas, recorram ao sistema público de saúde para se submeterem aos procedimentos cabíveis. Como consequência, multiplicam-se os casos de automutilação, lesões graves e óbitos.”
A criminalização, continuou Barroso, viola o princípio da proporcionalidade por não proteger devidamente a vida do feto ou impactar o número de abortos praticados no país. “Apenas impedindo que sejam feitos de modo seguro”, disse. “A medida é desproporcional em sentido estrito, por gerar custos sociais (problemas de saúde pública e mortes) superiores aos seus benefícios.”
Para impedir gestações indesejadas, em vez da criminalização, Barroso destacou que existem inúmeros outros meios, como educação sexual, distribuição de contraceptivos e amparo à mulher que deseja ter o filho, mas não têm como sustentá-lo. “Praticamente nenhum país democrático e desenvolvido do mundo trata a interrupção da gestação durante o primeiro trimestre como crime, aí incluídos Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, Canadá, França, Itália, Espanha, Portugal, Holanda e Austrália.”
 é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 29 de novembro de 2016, 22h25

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

As aberrações da lei 13.146/2015

Vitor Frederico Kümpel e Bruno de Ávila Borgarelli
"A vulnerabilidade do indivíduo não pode nunca ser desconsiderada pelo ordenamento. Isso é óbvio."
1. A lei 13.146, de 6 de julho de 2015
A comunidade jurídica brasileira recebeu, atônita, a lei 13.146, de 6 de julho de 20151, que institui o Estatuto da Pessoa com Deficiência e introduz diversas alterações em nosso ordenamento.
No Direito Civil, a mais profunda mudança concentra-se nos arts. 3º e 4º do Código Civil de 2002, relativos à incapacidade2.
Pelo (ainda vigente) art. 3º, são absolutamente incapazes: I – os menores de dezesseis anos; II – os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; III – os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.
Com a nova lei (art. 114) todos os incisos desse artigo foram revogados, exceto o que se refere aos menores de 16 anos. Estes continuam a ser absolutamente incapazes para os atos da vida civil.
O art. 4º foi também modificado. A redação ainda em vigência determina que são incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer: I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; II- os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido; III – os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; IV - os pródigos.
Pela nova redação (dada também pelo art. 114 da lei) são considerados relativamente incapazes os ébrios habituais e os viciados em tóxico e aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade.
A situação é inconcebível.
Os portadores de deficiência mental passam a ter plena capacidade, podendo inclusive casar, constituir união estável e exercer guarda e tutela de outrem. Isso vem afirmado explicitamente no art. 6º da lei 13.146/2015:
"Art. 6º. A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para:
I – casar-se e constituir união estável;
II – exercer direitos sexuais e reprodutivos;
III – exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar;
IV – conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória;
V – exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e
VI – exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas".
Imagine-se um indivíduo deficiente e que tenha idade mental calculada em 10 anos. Ele, sendo faticamente maior de 18 anos, será tão ou mais capaz que outro indivíduo, não deficiente, de 17 anos.
Os sujeitos em estado de coma – absolutamente impossibilitados de manifestar vontade – passam a ser relativamente incapazes.
Estarrecidos diante dessa lei, que traz outras tantas aberrações, teceremos breves apontamentos sobre o assunto. Talvez poucos tenham pensado que fosse ainda preciso “desenhar” para os desavisados o significado dos arts. 3º e 4º do código civil. Mas, como tudo indica que o legislador se esqueceu do próprio significado de sua missão, a tarefa se nos impõe.
Este artigo inaugura uma pequena série de considerações acerca da nova Lei.
2. O atentado aos arts. 3º e 4º do Código Civil de 2002.
O eixo do sistema de capacidade de fato (ou de agir) da pessoa natural é a cognoscibilidade e a autodeterminação3, de forma que é plenamente capaz para os atos da vida civil aquele que compreende e se autodetermina, e que, portanto, tem pleno poder de gerenciar sua vida, seus negócios e seus bens4. O discernimento5 está à base desse instituto.
Aquele que não compreende e nem se autodetermina precisa ser rigorosamente protegido, e até mesmo de si próprio6. O código civil volta a atenção, assim, para esses indivíduos que, por variadas causas, não têm discernimento ou aptidão para a manifestação de vontade7, e devem interagir socialmente em igualdade de condições por meio de representação e/ou assistência. Assim, ao absolutamente incapaz, por não ser apto aos atos da vida civil8, dá-se representante, que fala, age e quer pelo seu representado9. Ao relativamente incapaz confere-se assistente, e ambos praticam em conjunto os atos jurídicos.
Estando a vontade juridicamente apreciável na base dessa sistemática protetiva, é claro que o pareamento de condições para a atuação social precisa ser estimulado por esses institutos. A vulnerabilidade do indivíduo não pode nunca ser desconsiderada pelo ordenamento10. Isso é óbvio.
Porém, infelizmente, a lei 13. 146/2015, ao mutilar os artigos 3º e 4º do Código, desguarnece justamente aquele que não tem nenhum poder de autodeterminação. Trata-se de "autofagia legislativa".
Pelo antigo sistema (entenda-se por antigo o texto de lei ainda em vigor, porém em vias de revogação), como afirmamos, são incapazes absolutamente os menores, enfermos ou deficientes sem qualquer discernimento e todo aquele que não consegue expressar de forma alguma sua vontade. Essa inaptidão que informa o inciso III do art. 3º, aliás, independe da causa orgânica11. Basta que exista12, já que, afetada a inteligência, é de se presumir a incapacidade13 para governar a si mesmo.
De toda sorte, estão protegidos aqueles que infelizmente têm idiotia (menos que 25 de Q.I.), imbecilidade (de 25 a 50 de Q.I.)14, os que estão em situação de coma, os que estão em grau avançado de Alzheimer, Parkinson, e outras tantas doenças degenerativas. Aliás, todos eles estão no mesmo do rol do menor de 16 anos, que muito embora tenha alto grau de cognoscibilidade, não tem maturidade emocional.
Agora, por incrível que pareça, ou foram alçados por força do novo artigo 4º, inciso III, à condição de relativamente capazes, o que significa que uma pessoa em coma tem maior poder de autodeterminação e maior livre arbítrio do que um jovem de 15 anos (Estatuto do Jovem, art. 1º)15; ou, no caso dos deficientes mentais, à condição de capazes.
Parece incrível o dispositivo legal. Aterrorizante, na verdade. O seu pretenso alvo de proteção é, ao mesmo tempo, sua maior vítima!
Levada a pessoa em coma à qualidade de relativamente incapaz, o negócio praticado por ela passa a ser meramente anulável (art. 171, I do CC/02), em não sendo provada a simulação (art. 167, paragrafo 1º). Não haverá mais a tutela do art. 166, inc. I16.
O sujeito acometido por esse mal passa a ser assistido. Como é possível apenas assistir aquele que não manifesta qualquer vontade? Estará tal negócio sujeito a prazo decadencial? Estará sujeito à confirmação?
Já os deficientes mentais, levados à plena capacidade, poderão negociar validamente17. Há aí algum indício de proteção?
Muitas são as questões, pois a pobreza de qualidade da lei 13.146/2015 tem força para destruir um aperfeiçoadíssimo sistema protetivo.
E, já não bastasse a gravidade do erro do legislador, a doutrina entrou a despejar impropriedades. Lendo alguns artigos de renomados autores sobre o assunto, chega a gerar perplexidade a maneira como o assunto é tratado18. A lei é aplaudida explicitamente por criar uma suposta "inclusão" dos deficientes.
De fato, ela os inclui, jogando-os no grupo dos capazes, isto é, daqueles que não recebem a proteção consubstanciada no sistema das incapacidades. Os inclui para desprotegê-los e abandoná-los a sua própria sorte.
Quem se importa se com isso a pessoa com deficiência – acometida pelos males que expusemos – sofrerá? O importante mesmo é fazer uma lei que, formalmente, proclame a igualdade e despeje uma saraivada de princípios desprovidos de significado.
Embora tenhamos grande apreço pela cientificidade da argumentação - o que de modo algum nos retira a sensibilidade de seres humanos e sociais (diferentemente do legislador, que não prezou por qualquer das duas) -, arriscamo-nos a elaborar uma singela lista com os "alvos maiores" da lei 13.146.
De uma tacada o legislador "assassinou":
i) a proteção aos deficientes;
ii) o sistema das incapacidades;
iii) Os direitos humanos19;
iv) todos os pontos normativos que a nova lei modifica (e não são poucos).
Nada demais, não é? Apenas jogaram pela janela elementos – aliás diversos entre si – que formam a base que até hoje serviu para proteger certo grupo de pessoas. E que grupo é esse? Justamente aquele que o legislador se propôs a defender.
A grande pergunta que remanesce é a respeito do motivo da revogação dos artigos 3º e 4º do código civil (a maior parte deles, ao menos).
Se a dignidade da pessoa humana é o eixo do sistema – como se proclama a torto e a direito - engessar o poder do juiz de proteger de forma plena alguém acometido por uma situação incapacitante é garantir essa dignidade?
O que protege melhor, a flexibilidade ou a rigidez? A possibilidade do amplo exercício do estado de direito por meio da jurisdição ou a sua inibição?
Façamos um esforço mínimo de racionalidade. As ideias mais funestas buscam se concretizar sob o manto da ética e moralidade. O diabo nunca se apresenta com chifres e tridente; normalmente aparece como um anjo de luz.
E, em relação à lei 13.146/2015, uma de duas: ou alguém se descontrolou e fez o que não deveria, ou alguém nasceu mal-intencionado e fez, vejam só, o que não deveria. A certeza fica na incorreção do ato, que jamais poderia ter saído do papel. Aliás, não deveria ter sequer entrado no papel!
Pensávamos em fazer uma troça (de mau gosto, é bem verdade) com a situação dos "inventores" dessa nova lei, dizendo que deveriam ser tidos por absolutamente incapazes. Mas, a considerar o conteúdo da norma, isso é impossível, pois já passaram todos dos 16 anos (cremos).
De todo modo, está aí a novidade. Publicada e solenemente aguardando o momento de produzir seus portentosos efeitos. Que os céus nos protejam, já que o legislador, abrindo a porta para uma enxurrada de absurdos, permitiu que o Direito fugisse por alguma janela.
*****
No próximo artigo, vamos expor mais detidamente o fundamento das incapacidades, apresentando um pouco do direito comparado e da legislação internacional de direitos humanos, na tentativa de mostrar com clareza o quão absurda é a lei 13.146/2015.
Bibliografia
ASCENSÃO, José de Oliveira, Direito Civil. Introdução. Teoria Geral. As Pessoas. Os Bens, 3.ed., São Paulo, Saraiva, 2010, v.1.
CHAVES, Antonio, Capacidade civil, in Enciclopédia Saraiva do Direito, vol. 13, São Paulo, 1977.
CHINELLATO, Silmara Juny, comentários ao art. 3º, in A. C. Costa Machado (org.) e S. Chinellato (coord.), Código Civil Interpretado, 8.ed., Barueri: SP, Manole, 2015.
DUARTE, Nestor, Comentários aos arts. 3º e 4º, in PELUSO, Cezar (coord.), Código Civil Comentado – Doutrina e Jurisprudência, 7.ed., Barueri: SP, Manole, 2013.
LARENZ, Karl, Derecho Civil – Parte General, trad. ao esp. por M. Izquierdo y Macías-Picavea, Madrid, EDERSA, 1978.
PEREIRA, Rodrigo da Cunha, Lei 13.146 acrescenta novo conceito para capacidade civil.
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti, Tratado de Direito Privado, atualizado por J. Martins-Costa, J. Cesa Ferreira da Silva e G. Haical, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2012, t. I.
RIZZARDO, Arnaldo, Parte Geral do Código Civil, 3.ed., Rio de Janeiro, Forense, 2005.
SILVA PEREIRA, Caio Mário da, Instituições de Direito Civil, 25.ed., Rio de Janeiro, Forense, 2012, v.1.
SIMÃO, José Fernando, Estatuto da Pessoa com Deficiência causa perplexidade (Parte I).
STERNBERG, Robert H., Handbook of intelligence, Cambridge University Press, 2006.Acesso em 10/8/2015.
STOLZE, Pablo, O Estatuto da Pessoa com Deficiência e o sistema jurídico brasileiro de incapacidade civil.
___________
1Planalto, acesso em 10/8/2015.
2Este primeiro texto tem por objetivo específico dimensionar de forma tímida o artigo 114 do Estatuto em questão, que na primeira parte modificou parcialmente os referidos dispositivos do Código Civil.
3Por isso é que, por exemplo, aqueles que são afetados por debilidade mental precisam ser protegidos pelo direito, eis que seu conhecimento e sua vontade não estão em equilíbrio com tais aptidões nos indivíduos não acometidos por essas enfermidades. Sobre isso v. F. C. Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, atualizado por J. Martins-Costa, J. Cesa Ferreira da Silva e G. Haical, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2012, p. 315, t. I.
4Somente dispõe de capacidade em plenitude aquele que possui inteligência e compreensão e que é dono de si (K. Larenz, Derecho Civil – Parte General, trad. ao esp. por Miguel Izquierdo y Macías-Picavea, Madrid, EDERSA, 1978, p. 105).
5A. Chaves, Capacidade civil, in Enciclopédia Saraiva do Direito, vol. 13, São Paulo, 1977, p. 2.
6J. O. Ascensão, Direito Civil. Teoria Geral. Introdução. As Pessoas. Os Bens, 3.ed., São Paulo, Saraiva, 2010, p. 140, v. 1.
7S. Chinellato, comentários ao art. 3º, in A. C. Costa Machado (coord.) e S. Chinellato (org.), Código Civil Interpretado, 8.ed., Barueri: SP, Manole, 2015, p. 35.
8"A gravidade, nesses casos, há de ser tal que não deixe possibilidade de discernir, embora ocorrentes intervalos lúcidos(...)". (N. Duarte, comentário ao art. 3º, in PELUSO, Cezar (coord.), Código Civil Comentado – Doutrina e Jurisprudência, 7. ed., São Paulo, Manole, 2013, p. 18).
9C. M. Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, 25.ed., Rio de Janeiro, Forense, 2012, p. 229, v.1.
10Não é de se ignorar que a lei, assim, tutela diversos indivíduos tidos por vulneráveis (criança e adolescente; jovens; consumidor; mulher sob violência doméstica; idosos e agora os deficientes).
11C. M. Silva Pereira, Instituições cit., p. 235.
12N. Duarte exemplifica dizendo que, nessa categoria (inciso III do atual art. 3º do CC/02) "tanto pode se incluir o surdo-mudo que não tem condição de declarar a vontade por outro modo, como a pessoa enferma sem consciência, mesmo que venha a recuperá-la" (Código Civil Comentado cit., p. 18)
13A. Rizzardo, Parte Geral do Código Civil, 3.ed., Rio de Janeiro, Forense, 2005, p. 203.
14R. H. Sternberg, Handbook of intelligence, Cambridge University Press, 2006, p. 142. A obra pode ser consultada aqui: . Acesso em 10/8/2015.
15"Lei 12.852/2013Art. 1º. Esta Lei institui o Estatuto da Juventude e dispõe sobre os direitos dos jovens, os princípios e diretrizes das políticas públicas de juventude e o Sistema Nacional de Juventude - SINAJUVE. § 1º.Para os efeitos desta Lei, são consideradas jovens as pessoas com idade entre 15 (quinze) e 29 (vinte e nove) anos de idade."
16"CC/02. Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: I – celebrado por pessoa absolutamente incapaz; (...)"
17José Fernando Simão, criticando a lei, dá diversos exemplos de situações novas e já absurdas. A título ilustrativo, selecionamos a seguinte passagem de seu artigo: “Sendo o deficiente, o enfermo ou excepcional pessoa plenamente capaz, poderá celebrar negócios jurídicos sem qualquer restrição, pois não se aplicam as invalidades previstas nos artigos 166, I e 171, I do CC. Isso significa que hoje, se alguém com deficiência leve, mas com déficit cognitivo, e considerado relativamente incapaz por sentença, assinar um contrato que lhe é desvantajoso (curso por correspondência de inglês ofertado na porta do metrô) esse contrato é anulável, pois não foi o incapaz assistido. Com a vigência do Estatuto esse contrato passa a ser, em tese, válido, pois celebrado por pessoa capaz. Para sua anulação, necessária será a prova dos vícios do consentimento (erro ou dolo) o que por exigirá prova de maior complexidade e as dificuldades desta ação são enormes. Trouxe, nesse aspecto, o Estatuto alguma vantagem aos deficientes? A mim, parece que nenhuma, pois deixou o deficiente a mercê de pessoas sem escrúpulos e com maior dificuldade para invalidar negócios jurídicos (...)” (Estatuto da Pessoa com Deficiência causa perplexidade – parte I.
18A título de exemplo, as considerações feitas por Pablo Stolze, para quem “este importante Estatuto, pela amplitude do alcance de suas normas, traduz uma verdadeira conquista social. Trata-se, indiscutivelmente, de um sistema normativo inclusivo, que homenageia o princípio da dignidade da pessoa humana em diversos níveis” (O Estatuto da Pessoa com Deficiência e o sistema jurídico brasileiro de incapacidade civil. Também causam espécie as considerações de Rodrigo da Cunha Pereira, que aplaude a nova lei, por vê-la alinhada à dignidade da pessoa humana (Lei 13.146 acrescenta novo conceito para capacidade civil. Este autor conclui seu texto afirmando que “Esta nova compreensão da capacidade civil é uma boa tradução e incorporação da noção e valorização da dignidade e dignificação do humano (...)". Discordamos, por óbvio. Essa nova capacidade civil, na verdade, atenta contra a dignidade da pessoa humana, pois retira a proteção de quem mais precisa.
19Demonstraremos isso na próxima coluna.
__________
*Vitor Frederico Kümpel é juiz de Direito em São Paulo e doutor em Direito pela USP.
*Bruno de Ávila Borgarelli é estudante de Direito da USP e pesquisador jurídico.

http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI224905,61044-As+aberracoes+da+lei+131462015